A tarefa da escola era desenhar a
família. A menininha desenha, o pai, a mãe, ela, e a irmãzinha, então, ela
examina o desenho recém-criado e conclui desenhando o celular na mão no pai.
Esse é o retrato da família que a menina observa.
Hora de dormir, era fim de
semana, a mãe já está deitada com a filha mais nova, o pai então resolve deitar
com a filha mais velha, todos na mesma cama. Ele anuncia que é hora de dormir.
A menina maior reclama: essa luz do celular está me atrapalhando, você não sai
do celular, no banheiro fica no celular, se dirige é com o celular, se janta é
com o celular, até na hora de dormir não sai do celular. Você é muito
“celulazeiro”!
O mal do século, aquele treco que
aproxima quem está distante e afasta os próximos! Observar essas duas situações
é bem perturbante. É o pedido de socorro e apelo de uma criança. Eu entendo a
situação do pai/ mãe que muitas vezes precisam daquele acessório para
trabalhar, mas não seria suficiente trabalhar, às vezes, até mais de 12 horas
por dia? Será que aquele assunto urgente
que te chama tanto atenção tarde da noite, não pode esperar? Enquanto se está
olhando para a tela do celular, a infância daquela criança está passando, será
que dará para recorrer à tecnologia para fazer o tempo voltar? Para dar os
beijinhos de boa noite, para escutar as músicas, as histórias, para observar o
desenvolvimento e as descobertas das filhas que imploram por uns minutinhos de
atenção? Não seria o momento de se desconectar para sentir o toque real de mãozinhas
que em pouco tempo já não estarão tão afim da sua presença?
Confesso que utilizo bastante o
celular, mais até do que necessito. Porém, após o apelo verbalizado e desenhado
da menininha, estou tentando diminuir esse uso. Tentando utilizá-lo quando as minhas
meninas não estão por perto, estou tentando ser presença e não apenas estar
presente. A vida é aquilo que acontece enquanto estamos parados, vidrados na
tela do celular. Tenho medo de perder a infância das minhas pequenas, de estar formando
pessoas introspectivas, solitárias, instáveis emocionalmente. É preciso viver o
mundo real, criar conexões, escutar, tocar, ouvir, brincar, se entregar, construir
vínculos verdadeiros e palpáveis. A criança suplica por atenção e afeto, e isso
não é difícil, basta desligar o celular e observar a vida sem filtros.
Acredito que a vida era mais
interessante quando não se tinha redes sociais. Existia vida! Hoje, ao mesmo
tempo, que temos informações em tempo real, observamos pessoas muito mais
ansiosas, crianças entediadas (e os pais achando que estão entretidas),
relacionamentos vazios, muito “touch” e pouco toque, muitas mensagens, mas
pouca saliva. As pessoas preferem estar procurando o melhor ângulo, a melhor
pose, tiram uma infinidade de fotos só para postar, esquecem de viver o momento
e arquivar na memória. Hoje a “felicidade” está escancarada nos “selfies”, na
quantidade de seguidores e curtidas, não há entrega, tudo é muito superficial.
Suspeito que bom mesmo era na
época da minha infância, embora minha mãe trabalhasse fora, ela sempre tinha
tempo pra gente, ela não era escrava do celular, nem tinha um monte de neura, ninguém
a julgava, ela não tirava foto pra postar, nem pra se mostrar, e ela tinha
certeza que fazia o seu melhor.
#devaneiosdelivia
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